O BRINQUEDO


O brinquedo na estimulação essencial como suporte para o desenvolvimento
da linguagem de crianças com necessidades especiais

Kizzy Morejón
Faculdades Integradas de Naviraí – FINAV
Maria Alcione Munhóz
Professora Assistente do Departamento de Educação Especial, Centro de Educação – Universidade Federal de Santa Maria – RS 
Soraia Napoleão Freitas 
Professora Doutora, Departamento de Educação Especial, Centro de Educação, Universidade Federal de Santa Maria - UFSM.


Este artigo expõe o relato de um estudo onde objetivou-se saber de que maneira uma experiência com o brincar na estimulação essencial contribuiria para o desenvolvimento da linguagem em crianças com necessidades especiais na faixa etária de 0 a 3 anos e onze meses, tomando-se como premissa que nesta fase a criança deve aprender e desenvolver habilidades de uma maneira gostosa e divertida: brincando! 

Do nascimento à idade adulta o ser humano passa por um processo de evolução que denominamos desenvolvimento. Este processo pode ser dissociado em dois componentes: o crescimento, que corresponde às mudanças corpóreas (peso, estatura, perímetro cefálico, etc.), ou seja, caracteriza-se por ser essencialmente físico; e o desenvolvimento funcional, isto é, a aquisição e o aperfeiçoamento de capacidades e funções, que permitem à criança realizar atividades variadas, coisas novas, progressivamente diferentes, talvez mais complexas e com uma habilidade cada vez maior. 
Sabemos que o crescimento e o desenvolvimento possuem características muito próprias variando de pessoa para pessoa, mas que normalmente seguem um ritmos e seqüências semelhantes a todos da espécie humana. No caso específico das PNE4 estes ritmos e seqüências, geralmente - de acordo com as limitações de sua deficiência - transcorrem de maneira mais lenta, daí a necessidade de se ter um acompanhamento, não apenas para avaliar a normalidade desta evolução, mas, inclusive, para que a criança possa receber em cada etapa de seu desenvolvimento uma estimulação adequada, contribuindo para que este processo evolua da melhor maneira possível. 
Sendo assim, há a necessidade de um programa de EE5 para crianças na faixa etária de zero à três anos e onze meses de idade que possuam algum tipo de necessidade especial decorrente da deficiência que possuem. De acordo com as Diretrizes do MEC/SEESP (vol.3), no que 
A abreviatura PNE será utilizada neste estudo designando Pessoas com Necessidades Especiais. 
A abreviatura EE será utilizada neste estudo designando Estimulação Essencial. 
Se refere ao trabalho pedagógico nesta faixa etária, assim coloca: 
Conjunto dinâmico de atividades e de recursos humanos e ambientais incentivadores que são destinados a proporcionar à criança, nos seus primeiros anos de vida, experiências significativas para alcançar pleno desenvolvimento no seu processo evolutivo. 
Sob esta perspectiva, a família e o educador desempenham importante tarefa ao estimular a criança e, sobretudo, não exigindo da mesma desempenhos incompatíveis com a fase de amadurecimento em que se encontra. 
No que se refere à proposta " O brinquedo na Estimulação Essencial" podemos destacar o papel importante e fundamental do mesmo para o desenvolvimento global de PNE em programas de EE, principalmente na evolução social e crescimento intelectual, mais precisamente à linguagem de PNE nos primeiros anos de vida, no qual observa-se a ocorrência de uma carência com relação ao desenvolvimento da mesma, pois, como afirma FARIA (1997, p.11), 
A linguagem é uma forma de representação e consiste num sistema de significações no qual a palavra funciona como significante, porque permite ao sujeito evocar verbalmente objetos ou acontecimentos ausentes. 
A atividade lúdica é considerada essencial à formação da criança, e o brinquedo um estímulo a seu desenvolvimento físico e mental. A brincadeira contribui decisivamente no processo de socialização uma vez que, por meio delas, as crianças, meninos e meninas, identificam-se com seus papéis sexuais, aprendem a colaborar e competir (nos jogos de grupos), desenvolvendo a expressão e comunicação verbal; daí a importância em trabalhar a questão da linguagem de uma forma também lúdica, tendo como parâmetro que a comunicação falada é recebida pela criança posteriormente a dos gestos, como nos aponta VYGOTSKY (1979, p.64): 
a linguagem não pode ser descoberta sem o pensamento e, a palavra, dotada de um significado construído pelo próprio sujeito, será base para a edificação de novos significados em momentos mais avançados do desenvolvimento. Criará ainda, condições para a socialização infantil. 
Considerando os estudos realizados por Piaget, a inteligência é uma das condições para que se tenha uma linguagem efetiva. Em tratando-se de PNE, a aquisição da linguagem geralmente ocorre mais tarde se tivermos como parâmetro as crianças ditas normais, e se esta aquisição ocorre com um certo atraso, se não houverem estímulos adequados e suficientes, será ainda mais insatisfatória, gerando angústia às crianças e aos pais, e ainda uma dose muito alta de frustração. Segundo PIAGET (apud FARIA, 1997, p.15): 
A inteligência consiste num conjunto de esquemas e estruturas que possibilitam o conhecimento; o pensamento, numa representação desse conteúdo mental; e a linguagem verbalizada, numa das formas de comunicação do pensamento. (...) O conteúdo inconsciente da inteligência ou do pensamento lógico (conceitos, relações, etc.), quando conscientizado e fixado pela palavra, recebe de Piaget o nome de pensamento verbalizado. Portanto, a construção da inteligência é anterior, apresentando-se inclusive como condição à aquisição da linguagem. (...) A linguagem é conseqüência do desenvolvimento cognitivo. 
Durante muito tempo, os brinquedos considerados adequados às crianças foram os tradicionais carrinhos, trenzinhos, bonecas, que tinham como única função divertir, atualmente admite-se que a criação de brinquedos procura levar em consideração as necessidades das crianças, pois se reconhece que eles contribuem para o pleno desenvolvimento delas, representando uma forma de apreender o mundo, e ao mesmo tempo, tomar conhecimento de si mesmas e dos seus semelhantes, desenvolvendo suas capacidades e habilidades. 
Através do jogo e do brinquedo, desenvolvem-se as habilidades perceptivas, motoras, o raciocínio, a criatividade, e têm a grande capacidade de estimular o convívio em grupo, ou seja, a socialização com jogos do como os de "esconde-esconde", de "rodinhas", etc. 
Começando pela imitação, observando o mundo que a cerca, a criança vai desenvolvendo e usando a imaginação, até chegar a representação. A criança brinca a vontade, revelando-se pelo brinquedo e dando vazão as suas emoções, permitindo à ela repetir, a sua vontade, os momentos agradáveis e modificar uma situação que lhe foi penosa ou enfrentar sensações que seriam proibidas na vida real. Colaborando desta maneira com o seu desenvolvimento afetivo, o brinquedo trabalha as emoções da criança de uma maneira gostosa: brincando. O jogo e a brincadeira oportunizam situações nas quais, além do vínculo, aspectos cognitivos e conflitos são experienciados. 
Na estimulação essencial a maioria das crianças estão no estágio sensório-motor, que segundo (FERREIRA, 1993, p.35): 
é a fase do comportamento inteligente antes do desenvolvimento da linguagem. Durante este período, a criança organiza a informação obtida através dos sentidos e desenvolve respostas aos estímulos ambientais. A criança põe em funcionamento um conjunto variado de comportamentos, com a finalidade de experimentá-los e repeti-los. (...) a aquisição mais importante deste período é o esquema do objeto permanente (...) é o que existe apesar da criança não poder vê-lo, tocá-lo, ouvi-lo, sentir-lhe o gosto ou cheirá-lo. 
Marcando também, de acordo com a mesma autora, o início do chamado 
jogo simbólico é indispensável para manter o equilíbrio afetivo e cognitivo da criança, pois permite a assimilação do mundo real ao "eu", tanto em seus aspectos intelectuais quanto emocionais. 
Brincando a criança aprende espontaneamente, desenvolve a sociabilidade, aprende a amar e a partilhar, se desenvolve e nutre sua vida interior. De acordo com CUNHA (1994, p.15 ): 
Os brinquedos possibilitam descobertas, estimulam a auto-expressão. É preciso haver tempo e espaço suficiente para o brinquedo, para que a criança solte sua imaginação, invente, sem medo de ser punida ou de desgostar alguém. 
Portanto, o trabalho com o brincar na Estimulação Essencial justifica-se pelo fato de que através da brincadeira e do jogo a criança desenvolve seu físico, suas percepções, inteligência, criatividade e seu comportamento social; permitindo à criança um desenvolvimento global através de atividades de descontração, ou seja, a criança aprende e se desenvolve brincando. 
O processo de avaliação na Estimulação Essencial 
A avaliação é um processo amplo que tem validade quando coloca a criança como centro de referência de si mesma e fornece dados ao professor para acompanhar e compreender seu desenvolvimento. Então , compreende-se a avaliação como um processo que visa acompanhar a evolução do processo de aprendizagem e desenvolvimento do aluno, onde o importante é a observação do professor, deixando de lado a conotação puramente quantitativa que o processo de avaliação pressupõe, mas sim observando e, portanto, "avaliando", o desenvolvimento do aluno com um paradigma qualitativo, ou seja, tendo claro que avaliação é um processo contínuo! E, a partir de então, perceber os aspectos relevantes das qualidades dos alunos registrando-as dia-a-dia, para que também desta maneira nós, enquanto educadoras, possamos reformular nossa prática diária de acordo com os interesses e necessidades mais urgentes dos alunos. 
Assim, a avaliação não deve ter como critério a mudança de comportamento estanques e repetitivos, porque o desenvolvimento é um processo que tem uma história na qual um comportamento ou situação anterior deve favorecer o aparecimento de novos comportamentos. Na EE, dá-se fundamental importância à construção do conhecimento pelas próprias crianças, através de sua própria ação, num ambiente organizado e favorável, onde ela possa manifestar-se espontaneamente e criar, oportunizando uma tomada de decisões próprias e desenvolvendo o raciocínio; tornando-se importante não a quantidade de comportamentos evidenciados, mas o aproveitamento das experiências vivenciadas na construção de novos conhecimentos pelas crianças. 
Nesta perspectiva, a avaliação dos alunos de EE deve então compreender um acompanhamento, ou seja, uma detalhada observação das atividades diárias desenvolvidas pelos alunos, tendo em vista reconhecer como encontram-se os mesmos em seu desenvolvimento global, para desta maneira manter informações úteis que visem uma melhoria no planejamento de ações que conduzam a um trabalho mais efetivo e direcionado às reais necessidades dos alunos. A avaliação pode ser considerada então sob dois aspectos: o primeiro, em observar as experiências e participar com o próprio grupo, e o segundo, acompanhar o desenvolvimento de cada criança em suas peculiaridades. 
Considerações Finais 
Concluímos portanto, que o destaque no trabalho com EE é o de oferecer às crianças com necessidades especiais uma série de estímulos úteis a seu desenvolvimento e, a seus pais, orientações para sigam um programa adequado de estímulos em casa tendo como finalidade básica o pleno desenvolvimento de seu filho, pois estímulos corretos, nos momentos certos, acompanhados de amor, afeto, carinho, compreensão e apoio certamente contribuirão para o pleno desenvolvimento do potencial da criança, fazendo com que chegue à idade adulta como um ser feliz e socialmente útil. 

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