A aprendizagem da leitura e da escrita no
conjunto das práticas escolares de linguagem: rodas de leitura e escrita,
projetos, atividades, debates e conversas[1]
Helenice Aparecida Bastos Rocha 1
Muitas práticas têm sido
realizadas na busca de juntar o ensino-aprendizagem dos aspectos relacionados à
relação letra-som e os aspectos da escrita como objeto que se organizou na
história e na cultura humana. Veremos algumas dessas possibilidades a seguir.
A roda de leitura e escrita de textos recupera e integra a roda de
conversa ancestral em torno da fogueira e também a rodinha de novidades da
Educação Infantil. Inicialmente, a leitura ou escrita pode ser feita
principalmente pelo professor e acompanhada pelos alunos, para que eles
descubram que esses textos podem nos propiciar mais do que a fala, em algumas
situações. Um exemplo do que é específico da escrita está na remissão. Quando,
em um texto, remetemos o leitor a um parágrafo anterior, ou a uma nota de
rodapé, se ele tiver dúvidas sobre o que foi dito, pode ler esse parágrafo ou a
nota. Para isso, o conhecimento sobre a organização espacial desses escritos
precisa ser um conhecimento compartilhado pelo escritor e leitor, e é produzido
nas práticas de leitura e na escolarização.
Esse exemplo mostra que, entre as relações possíveis na leitura, também
estão a estruturação das idéias em parágrafos, notas de rodapé e tantas outras
codificações, e não apenas a relação entre letras e sons.
O exemplo contrário também é
possível. A oralidade funciona em situações e condições que suplantam a escrita
em diversos aspectos. Por conta disso, é necessário reconhecer onde a linguagem
oral ou a escrita se mostra mais interessante para a comunicação. Nossa
experiência de praticantes da linguagem pode nos ajudar a selecionar as
atividades mais adequadas em uma ou outra modalidade, conforme veremos a
seguir, no caso de um projeto de elaboração de receitas.
Projetos temáticos resgatam o contexto de produção da leitura e da
escrita, bem como da oralidade. Mas o que é um projeto? Sua característica
principal é a de ser uma situação de ensino com um objetivo compartilhado por
todos os envolvidos para se chegar a um produto final, em função do qual todos
trabalham. Assim, o primeiro passo de um projeto pode ser o professor propor ou
perceber a emergência de um tema que se mostra produtivo na turma. Isto porque
os projetos permitem associar propósitos comunicativos e didáticos, dispor do
tempo didático de forma flexível, pois sua duração corresponde ao tempo
necessário para se alcançar um objetivo: pode durar dias ou alguns meses. Sua
execução envolve planejamento, previsão, divisão de responsabilidades,
desenvolvimento de capacidades e procedimentos específicos.
O projeto é um processo de
elaboração coletiva das crianças com seu professor ou professora. Seu sentido é
o de um compromisso constante pela construção de certezas compartilhadas e pela
discussão de incertezas que permitirão a todos compreender o texto e o
conhecimento relacionado a ele. Tais
características do trabalho com projetos tornam tal trabalho pautado na
conversa e no debate sobre os temas em estudo.
Vejamos o exemplo de um projeto
em que há a escrita de receitas, para a criação de um livro. Quando trazemos
receitas para a escola, didatizando-as, antes ou juntamente com o trabalho de
sua escrita, podemos explorar seu aspecto de texto oral na comunicação entre as
pessoas. A prática de ensinar e aprender receitas oralmente, no contexto da
degustação de pratos, pode ensejar o desenvolvimento, na linguagem oral, do gênero
em que são dadas instruções para atingir determinado fim, como é o caso da
receita, que pode ser escrita. Mas a apreciação do prato, as observações sobre
as preferências pessoais, como a degustação em si, é algo que circulará
naturalmente, via oralidade.
O texto escrito apresenta especificidades que
é possível investigar juntamente com os alunos em rodas de leitura ou projetos.
Um bom exemplo é a iconicidade presente na história em quadrinhos: os balões em
que surge a fala dos personagens e sua ordem espacial, a forma típica de
introduzir a fala do narrador, sua interação com as imagens. Outro bom exemplo,
no que se refere às obras de referência, está no dicionário, que, ao longo do
tempo, tornou-se um objeto cultural complexo.
Ele organiza de forma codificada os significados de um verbete em ordem
alfabética e muito mais, como a orientação na página pelas palavras-guia, as
abreviaturas de classes gramaticais, a origem das palavras. Assim, as
informações presentes no dicionário podem nos ajudar a encontrar outras
informações, que podem ser usadas de diversos modos.
Essas e outras aprendizagens
acerca dos portadores de textos e dos gêneros precisam acontecer juntamente com
a aprendizagem da leitura e da escrita, no que se refere à relação entre letra
e som, ou grafema e fonema. E não depois dela. A escola é um espaço de
colocarmos as coisas em determinada ordem para melhor aprendizagem. Mas, ao
pensarmos em um ensino-aprendizagem mais contextualizado, precisamos lembrar
que, na vida, as aprendizagens sociais não são postas didaticamente uma após a
outra.
Juntamente com a contextualização
das atividades de rodas de leitura, escrita e conversa e com os projetos
temáticos, é possível e necessária a realização de atividades permanentes de leitura e escrita em que as aprendizagens
sejam consolidadas. Elas ocorrem de modo regular, de acordo com as necessidades
das crianças: diariamente, três vezes por semana, semanalmente, ou até
quinzenalmente, com a finalidade de permitir a convivência freqüente e intensa
com determinado gênero de texto, para que possam desenvolver práticas
diversificadas de leitura. Esta tarefa está entre aquelas que fazem parte da
rotina da turma e deve sempre responder à pergunta do sentido que a leitura e a
escrita terão para os alunos, no contexto das aprendizagens que estão ocorrendo
na turma.
[1]Parte do
texto: A ESCOLA, UM ESPAÇO A CONHECER: A DIVERSIDADE E A APRENDIZAGEM DA
ESCRITA
LETRA VIVA: práticas
de escrita e leitura. Disponível em: www.tvebrasil.com.br/salto
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